Ordem dos Psicólogos

Certificação APCER

Bastonário da OPP entrega

Audiência com Presidente da República

14.fevereiro.2018

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Carta aberta ao
Exmo. Sr. Presidente da República
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

Neste novo ano que agora iniciamos, com desejos redobrados para as nossas vidas, dirijo-me a V. Exa., em nome dos Psicólogos deste país, reafirmando o contributo que estamos disponíveis para dar a Portugal, enquanto profissionais, enquanto cientistas e enquanto Ordem profissional. A Psicologia tem uma história recente no contexto das restantes ciências, mas uma história rica e associada a profissionais que foram emprestando as suas competências às mais diversas áreas e aos maiores desafios da sociedade. Nos EUA, remonta ao final do século XIX, aquele se pode considerar o momento histórico fundacional das ciências psicológicas, tendo a Associação Americana de Psicologia cumprido o seu 125º aniversário em 2017. Em Portugal, os primeiros formados em Psicologia por uma instituição universitária remontam ao final dos anos sessenta, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Enquanto no Brasil, em 1968, a profissão de Psicólogo era regulada pelo Estado Federal através de uma Lei que reconhecia e defendia o título de Psicólogo, em Portugal, foi apenas em 2008 que a Assembleia da República, através da Lei 57/2008 criou e aprovou os primeiros estatutos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). A OPP teve os seus primeiros órgãos eleitos em 2010, e hoje é constituída por mais de 20.000 psicólogos, 7.000 dos quais especialistas nas áreas da Psicologia Clínica e da Saúde, da Educação e do Trabalho, Social e Organizações. Nos últimos 6 anos, a OPP organizou perto de 6.000 estágios profissionais obrigatórios para o exercício da profissão, cumprindo assim com os requisitos de formação estabelecidos nos Estatutos da OPP conformes ao Diploma Europeu de Psicologia – EUROPSY (resultante de um histórico consenso de mais de 30 países para uma formação de dois ciclos em psicologia mais um ano de prática profissional supervisionada). Desde o princípio que a OPP procurou na sua acção internacional o enquadramento e o estímulo para o desenvolvimento da profissão em Portugal, tendo ainda oportunidade de contribuir decisivamente para a afirmação da profissão noutros países. A título de exemplo, o 2.º Congresso da OPP foi também o IX Ibero-Americano, a OPP é fundadora da PsiPLP (organização constituída por associações de Psicólogos do espaço lusófono) e desde 2015, o Professor Doutor Telmo Mourinho Baptista, primeiro Bastonário da OPP, é também o presidente da EFPA – European Federation of Psychologists Associations, federação que representa 37 países e mais de 300.000 psicólogos.


A este nível, 2018 será para a OPP, um ano de novos acordos internacionais, começando pela prestigiada British Psychological Society e passando pela consolidação efectiva e operacionalização dos nossos laços de colaboração transatlântica com a APA – American Psychological Association (APA), o que irá permitir um intercâmbio profícuo e um passo histórico para dar a conhecer alguns dos nossos melhores profissionais (e das práticas da Psicologia em Portugal) no mais prestigiado Congresso de Psicologia do Mundo, a convenção anual da APA.

Exmo. Sr. Presidente da República, o que fazemos é num entendimento ambicioso da missão pública de que fomos incumbidos, potenciando o desenvolvimento profissional dos nossos membros e contribuindo para mais e melhor acesso aos serviços prestados por psicólogos. Os Psicólogos portugueses são profissionais de saúde no sentido mais abrangente do termo mas trabalham nos mais diversos contextos profissionais: nos hospitais, nas escolas, nas universidades e centros de investigação, nas instituições de acolhimento e apoio a idosos, na protecção de crianças e jovens, nas empresas, nas comunidades, em clínicas e consultórios, no desporto, na justiça, no combate à exclusão, na crise e em catástrofe, ao longo de todo o ciclo de vida, nos mais diversos papéis. São profissionais que investem fortemente na sua formação pós-graduada e ao longo da sua carreira. São conhecidos e reconhecidos pela sua qualidade científica e técnica, dotando-os de autonomia e competências ímpares para o trabalho no seio de equipas multidisciplinares. Hoje em dia, cresce em alguns sectores da sociedade a consciência da importância das emoções, da relação, da liderança, do bem-estar, do inconsciente, das questões comportamentais, da ciência psicológica e também dos Psicólogos. E também dos Psicólogos, pois nem sempre associamos a estes profissionais a certos contextos, temas, domínios do conhecimento, desafios e áreas de intervenção onde são por vezes os mais preparados e competentes para a prestação de serviços, para uma maior custo-eficácia da mesma ou para a promoção do conhecimento associado. Desde a sua criação a OPP tem investido na promoção do papel dos Psicólogos nas mais diversas áreas e realizado campanhas públicas de promoção e divulgação do seu papel, investindo os seus recursos para garantir que os cidadãos melhorem a sua literacia em saúde, nomeadamente em saúde psicológica, alertando para alguns dos principais problemas de saúde física com causas comportamentais (doenças crónicas como a diabetes ou a obesidade) ou de saúde mental, particularmente com a preocupação de redução do estigma associado, da prevenção e da intervenção precoce sobre estes problemas e procurando dar a conhecer os serviços prestados por Psicólogos.

Exmo. Sr. Presidente da República, passa agora 1 ano desde o momento que, com orgulho e responsabilidade, iniciei o exercício das minhas funções e que em conjunto com a equipa de dirigentes e colaboradores da OPP, bem como com a mobilização de muitos milhares de psicólogos, temos procurado cumprir o exigente programa sufragado pelos Psicólogos e procurado destacar a importância de garantir o reforço dos Psicólogos existentes nos serviços públicos de saúde, na educação, na justiça e nas instituições sociais e comunitárias, como forma de responder a necessidade dos cidadãos pouco respondidas mas já muito valorizadas (relembre-se a forma como as populações solicitaram o apoio psicológico após a catástrofe dos incêndios do ano passado). Mas, se simultaneamente alertámos para a necessidade de passar das palavras aos actos também nos colocámos constructivamente à disposição dos decisores políticos para encontrar soluções, apresentando propostas devidamente fundamentadas ao nível financeiro e científico. São exemplos a proposta de criação de um Programa Nacional de Prevenção da Depressão, da figura do Psicólogo do Trabalho ou de uma Agenda Nacional de Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas, de modo a garantir um desenvolvimento económico mais coeso e sustentável. Denunciámos o consumo excessivo de psicofármacos, particularmente por crianças e jovens, a falta de recursos humanos nas prisões, em particular Psicólogos para, entre outros, avaliarem a perigosidade e promoverem a reinserção social, a falta de continuidade dos apoios psicológicos nas escolas devido à constante quebra anual dos vínculos contratuais, a falta de sensibilidade das organizações portuguesas, públicas e privadas, para apostarem mais na prevenção do stress e do burnout e no desenvolvimento de lideranças e ambientes saudáveis, sublinhámos a necessidade de apostar numa escola inclusiva, atenta à diversidade e às diferenças individuais tão ricas quanto necessárias à sociedade, lançámos o alerta ao tempo necessário para as crianças brincarem ou para os seus direitos de forma geral promovendo a criança e a sua protecção e defendendo a criação do provedor da criança e do jovem, lançamos o apelo para o envolvimento da ciência psicológica e dos Psicólogos nos programas de reconstrução dos concelhos afectados pelos incêndios de 2017 e questionando o fraquíssimo investimento em prevenção que é transversal à sociedade portuguesa (cerca de 1% no que se refere ao Orçamento do Estado na área da Saúde).


Exmo. Sr. Presidente da República, os Psicólogos portugueses estão à disposição do país, tal qual a sua Ordem profissional está. Atenta, assertiva e construtivamente, de uma forma transsectorial conforme aliás é a presença destes profissionais na sociedade portuguesa. São profissionais que silenciosamente, muitas vezes com sacrifício dos seus direitos e da sua vida pessoal, muito fazem e dão para colocar os seus serviços à disposição dos que mais deles necessitam. Muitas vezes em contextos complexos e vulneráveis e também, não raras vezes, expostos a exigências pessoais e profissionais muito significativas e logo a riscos psicossociais consideráveis.

Em 2018 a OPP realizará o seu 4º Congresso Nacional, em Braga, onde cerca de 2.000 profissionais mostrarão o que de melhor se faz em Portugal, ouvirão especialistas internacionais de destaque e debaterão soluções para os problemas do país, aplicando o conhecimento e as ciências psicológicas.
Será um ano onde lançaremos mais uma campanha nacional, desta vez promovendo a importância das problemáticas ligadas ao envelhecimento e bem-estar das pessoas adultas e idosas, o trabalho realizado nas instituições dedicadas a esta área e particularmente destacando as boas práticas destas instituições e dos seus profissionais, muitos deles Psicólogos, especialistas em Psicogerontologia. Não passaremos ao lado do debate e da discussão sobre a morte medicamente assistida e, à semelhança de outras organizações de Psicologia no resto do mundo, clarificaremos a posição da psicologia e dos Psicólogos, não esquecendo a estreita ligação com os cuidados paliativos essenciais a muitas pessoas na última fase da sua vida. São muitas as áreas do nosso compromisso com os Psicólogos para 2018 mas gostaria de enfatizar uma, pela exclusão a que está associada, por ser claramente "um parente pobre" na saúde em Portugal e por ser uma área em que encontramos as pessoas mais vulneráveis entre os fragilizados e marginalizados da sociedade: a saúde mental. Há umas décadas que os psicólogos trabalham em saúde mental no âmbito de equipas multidisciplinares. O seu contributo para a "desmedicalização" dos tratamentos e para desinstitucionalização, de que é culminar o encerramento do Hospital Miguel Bombarda, foram determinantes e ainda hoje o são, particularmente na prevenção e no trabalho de autonomização e inclusão dos cidadãos. Em populações ainda mais debilitadas, onde a incidência de perturbação mental ou pelo menos de distress psicológico é ainda mais relevante, como é o caso dos sem abrigo a quem o Sr. Presidente da República tem dispensado um justo cuidado e atenção, o trabalho dos Psicólogos ganha particular relevância, como é exemplo o projecto Housing First, financiado pelo Horizont 2020, coordenado a partir de Portugal por uma instituição e um Psicólogo português, o Professor Doutor José Ornelas.

As Nações Unidas, na revisão dos objectivos do milénio, preconizam no ponto 3, Saúde e Bem-estar, "...promover a saúde mental e o bem-estar." O Programa Nacional de Saúde Mental refere que as pessoas estão a viver mais anos, mas com incapacidades na área da saúde mental, o que implica uma sobrecarga para a Sociedade, bem como a necessidade de maior rigor e qualidade na prescrição de medicamentos na área da saúde mental e, em especial, o aumento dos cuidados e serviços na área da saúde mental para as crianças/adolescentes e adultos. As perturbações de ansiedade e de depressão afectam hoje mais de 21 e 17% dos portugueses respectivamente e o consumo de psicofármacos tem vindo a crescer com destaque para os antidepressivos. Há décadas que muitos estudos científicos internacionais evidenciam a custo-efectividade das intervenções psicológicas no combate e prevenção destas perturbações. Sendo certo que existe uma pequena fracção destas situações em que a boa prática recomenda o uso de psicofármacos, existe hoje evidência que na maioria das situações é mais custo-efectiva a utilização de intervenções psicológicas (não necessariamente psicoterapia). Para isso é necessária a disponibilização de recursos humanos com competência própria aos cidadãos, em particular nos cuidados de saúde primários, uma melhor organização dos serviços e mais recursos para garantir a eficácia do seu trabalho. Entre estes profissionais estão os Psicólogos, actualmente num número claramente insuficiente face à necessidade e à procura. O número de psicólogos em todo o SNS é de cerca de 1.000. Uma parte significativa destes estão nos serviços afectos ao antigo IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência e por isso não estão nos centros hospitalares nem nos cuidados de saúde primários. O reforço em todas as áreas é urgente mas muito particularmente nos cuidados de saúde primários onde o investimento poderá permitir melhorar consideravelmente o esforço em promoção da saúde e em prevenção, com os ganhos sucessivos desta aposta.

A sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde exige uma aposta forte na prevenção. Com programas e recursos alocados aos mesmos que a tornem prioritária. Exmo. Sr. Presidente da República, o país necessita de uma Agenda Nacional de Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas, que vá muito para além dos ciclos políticos, permitindo o investimento articulado nas mais diversas áreas, na prevenção, de modo a podermos obter resultados sustentados a médio e longo prazo (é verdade nas florestas como é na educação, saúde ou justiça, por exemplo). Uma Agenda que ajude o país e os seus cidadãos a encontrarem a valorização pelas competências necessárias agora e no futuro, de forma mais rápida e flexível na adaptação aos desafios cada vez mais voláteis do Mundo, que aproveite o melhor de cada um de nós e não esqueça aquilo que nos distingue e diferencia para além das competências técnicas - as competências como as de trabalho em equipa, comunicação interpessoal e expressão emocional - cada vez mais necessárias para o nosso sucesso individual e colectivo numa óptica de promoção de bem-estar. Uma Agenda que necessita de um impulso do Exmo. Sr. Presidente da República. A este propósito os Psicólogos portugueses, através da sua Ordem, já ofereceram ao país um Programa Nacional de Prevenção da Depressão. Esta proposta aceite pelo Governo Português, bem como recentemente pelo Governo Regional dos Açores, vai agora entrar em projecto-piloto e pretende vir a contribuir para a detecção e registo de depressão ou risco de depressão, através de diferentes profissionais de saúde (especialmente dos Médicos de Família) e posterior referenciação para a resposta mais adequada a cada caso, desde a simples autoajuda guiada por um Psicólogo, até à intervenção psicológica ou mesmo ao encaminhamento, em situações mais graves, para os serviços de psiquiatria e saúde mental, num modelo testado fora do país com sucesso. No passado mês de Dezembro, entregámos um contributo ao Governo, para a prevenção de incêndios e suporte ao reordenamento do território, com base no conhecimento das ciências psicológicas, nomeadamente da psicologia comunitária e do ambiente. No último dia da Saúde Mental, a OPP assinou um protocolo com o Governo para o trabalho conjunto, entre outras áreas, na redução do consumo de psicofármacos na população portuguesa, particularmente entre crianças e jovens, e para a humanização dos serviços hospitalares.

Exmo. Sr. Presidente da República, os Psicólogos portugueses irão continuar a contribuir para o desenvolvimento e bem-estar do país, seja pelo seu trabalho no dia-a-dia no terreno, seja através da sua Ordem na articulação, conjugação e mobilização de esforços para a promoção, prevenção e melhoria do acesso dos cidadãos aos serviços prestados por psicólogos. Estamos, como referimos, preparados para contribuir desde já para a Agenda de Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas que referimos. Gostaríamos de contar com o reconhecimento, empenho e presença do Sr. Presidente da República no esforço para a concretização desta nossa missão, missão esta que nos parece ser de todos e para todos.

Francisco Miranda Rodrigues

Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses