Exmo. Senhor Presidente da República,
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,
O final do ano 2021 e o início de 2022 ficam, a nível global, marcados ainda pela pandemia e pelo início de uma guerra na Europa, após a invasão da Ucrânia pela Rússia. A nível nacional pela convocação e realização de eleições legislativas antecipadas. Deste modo, vimos inevitavelmente afectados alguns dos nossos planos e dirigimos os nossos esforços para a necessária resposta e contributo perante a guerra.
A guerra veio acrescentar incerteza, num contexto pandémico já de si ansiogénico. Desde o seu início, a convite da CNN Portugal, contribuímos com artigos que pudessem responder preventivamente à necessidade de literacia e informação sobre os impactos da guerra nas mais variadas dimensões das nossas vidas, mobilizando algumas dezenas de psicólogas/os para esse papel. Desde os contributos da nossa ciência para os processos de paz, passando pelas intervenções junto das vítimas da guerra, até aos impactos da comunicação em quem vê as imagens da guerra entrar pela casa dentro, foram muitos os temas abordados.
Para além desta parceria, dissemos presente aos vários momentos de esclarecimento da opinião pública, sobre estas matérias, nos mais diversos órgãos de comunicação social. Simultaneamente, publicámos e disseminámos materiais informativos dirigidos à população em geral e a alguns segmentos da população em específico, com recomendações preventivas, tentando contribuir através da construção de mais e melhor literacia para atenuar os impactos da guerra, como aliás já tínhamos feito com a pandemia ou com os incêndios em 2017. A este propósito, importa dizer que o nosso esforço de apoio directo à população manteve-se, bem como junto das diversas entidades públicas que geriram a resposta à pandemia. Destaco a resposta imediata e solidária com os nossos colegas psicólogos ucranianos e com as vítimas da guerra, na formação especializada em intervenção psicológica em crise e catástrofe, oferecida a cerca de 40 psicólogos ucranianos situados na Ucrânia e países vizinhos, de modo que estes se sentissem competentes para a emergente e necessária intervenção e para a formação em cascata dos seus colegas em língua ucraniana. Por outro lado, preparámos em conjunto com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) uma adaptação do Serviço de Aconselhamento Psicológico da Linha SNS24, disponibilizando-o em língua inglesa. Apresentámos ainda uma proposta de modelo de suporte psicossocial à integração de população migrante e requerente de asilo (ainda não implementada).
A pandemia deixou marcas na saúde psicológica da população, particularmente nalgumas populações mais vulneráveis. Entre as crianças e jovens a situação é particularmente preocupante e antevê-se que deixe um rasto com impacto no bem-estar imediato e a médio prazo destes jovens e das suas famílias, mas também no desenvolvimento das suas competências sócio-emocionais e nas suas aprendizagens, com consequências nos seus percursos educativos e na sua integração no mercado de trabalho e contributo para a economia do país.
O esforço do sistema educativo na tentativa de mitigar este impacto tem sido assinalável e foram tomadas medidas preventivas e de monitorização do impacto relevantes. Todavia, a gritante e quase inexplicável ausência de investimento nos serviços, unidades e núcleos de psicologia, continuando a não se reforçar o número de psicólogos, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), particularmente nos Cuidados de Saúde Primários, põe em causa este esforço. É a demonstração da incapacidade do Estado, ao longo de sucessivos Governos, para acautelar a necessária prevenção de sofrimento psicológico e perturbações mentais, bem como para promover a saúde mental. Esta incapacidade tem obrigado a que os profissionais nas escolas respondam a esta verdadeira emergência nacional que se arrasta, substituindo a ausência de recursos humanos nos cuidados de saúde primários, contexto mais indicado para estas intervenções, impedindo assim que a dedicação e atenção dos psicólogos e psicólogas das escolas esteja na prevenção e na promoção, em medidas de alcance mais sistémico e abrangente na comunidade educativa, menos remediativas, mais sustentáveis além de efectivas. Se é verdade que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vem desbloquear um Plano Nacional de Saúde Mental com mais de 20 anos de atraso e permitir que os mais vulneráveis, sem voz, que sofrem com doença mental, venham a ter mais e melhor acesso aos serviços de saúde mental (assim se concretizem os investimentos em curso), o mesmo não se poderá dizer do tão visivelmente necessário, requerido, unânime desiderato que é o acesso aos serviços de psicólogos, em proximidade. Resoluções parlamentares, promessas de governantes e compromissos partidários resultaram até agora em pouco mais de zero. A saúde mental é mais do que a ausência de doença mental e a sustentabilidade das políticas públicas de saúde, e não só, depende da prevenção e promoção da saúde psicológica nos diversos contextos sociais e suas múltiplas políticas, da educação, ao trabalho, do ambiente, passando pela área social e pela justiça.
As palavras do Senhor Presidente da República, no final do ano passado, em momentos simbolicamente importantes para o país, são o exemplo de uma intervenção positiva, influente e determinante para que o país não esqueça, desta vez, a saúde mental, passados os maiores medos e sentindo-se as vibrações de alguns momentos de entusiasmo. É assim, que alerto para a urgência de medidas robustas e imediatas, simplificadas e que aumentem desde o primeiro momento o acesso dos cidadãos aos serviços de psicologia, principalmente pelas crianças e jovens, e solicito ao Sr. Presidente da República que continue a fazer-se ouvir junto do Governo e da opinião pública, não só para que as medidas necessárias não caiam no esquecimento, mas principalmente para serem prioritárias. E que, se por ignomínia, não forem executadas, a responsabilidade seja assumida sem subterfúgios, no respeito pelos que sofrem, pelas vidas adiadas ou interrompidas.
No seguimento do trabalho que temos vindo a fazer há vários anos na sensibilização para a necessidade promoção do bem-estar no trabalho e da sua relação com a produtividade, bem como da evolução das políticas de higiene, segurança e saúde no trabalho que reconheçam uma saúde que não exclua a saúde mental, levámos a cabo a 4ª edição do Prémio Locais de Trabalho Saudáveis. Com os altos patrocínios do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a edição deste ano teve mais de 90 candidaturas de organizações públicas, sociais e privadas, de todas as dimensões e incluindo multinacionais. Como tive oportunidade de sublinhar na cerimónia de entrega dos prémios e selos de reconhecimento de boas práticas, este não era um certificado de que se se fazia tudo bem e da perfeição organizacional, mas sim de uma atitude concretizada em acções de melhoria contínua e de boas práticas, de esforço no sentido de prevenir os impactos negativos sobre a saúde mental e bem-estar das pessoas que trabalham nas organizações, tendo como partida a coragem de avaliar essas mesmas acções. Este é um sinal importante, em conjunto com as iniciativas cívicas e das mais diversas organizações, para colocar na agenda este tema. Todavia, também alertei, na presença da Sra. Ministra da Saúde, na referida cerimónia, que este não é um tema para marketing, mas sim para acções concretas que mudem o funcionamento das organizações, através da alteração das suas formas de liderança, de modo a evitar que continuem a condicionar as possibilidades de bem-estar (se não a contribuir para o sofrimento) das pessoas nos seus locais de trabalho, pela desesperança, falta de reconhecimento e de autonomia, quando não por comportamentos directamente lesivos como são o assédio moral no local de trabalho.
Se a concretização da mudança se faz multifactorialmente, ela pode ser induzida e acelerada por mudanças nas políticas públicas, pela concretização da introdução de obrigatoriedade do psicólogo do trabalho nas equipas de saúde ocupacional, como aliás já proposto pela Assembleia da República em resolução e pela Direcção-geral da Saúde em recente Guia sobre o tema. Para além disso, propusemos ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social a criação de programas de financiamento que estimulassem os projectos das organizações nesta área. Para aqui chegar temos vindo a fazer esforços de envolvimento das mais diversas entidades, desde a Autoridade para as Condições de Trabalho, diversos parceiros sociais, e o Conselho Nacional das Ordens Profissionais, que unanimemente tomou uma posição pública que, entre outros aspectos, sublinha e apoia a importância da avaliação e prevenção de riscos psicossociais nos locais de trabalho. Em breve, os dados mais recentes e decorrentes da pandemia trarão certamente uma nova dimensão do custo para a economia portuguesa destes impactos. Para 2023 pretendemos, em articulação com o Conselho Económico e Social, robustecer a visibilidade e as propostas e recomendações para as mudanças imprescindíveis nestas políticas públicas e consideramos essencial que o Sr. Presidente da República se associe, criando ainda mais condições para que as organizações tomem decisões de gestão mais baseadas na ciência psicológica, associando o bem-estar à produtividade, compatibilizando assim a actividade económica com a sustentabilidade dos sistemas públicos e a saúde das pessoas.
Uma parte significativa da população portuguesa está abrangida por seguros de saúde ou pela ADSE. Deste modo, o acesso aos serviços de psicologia também passa pelas comparticipações destes sistemas e o acesso à saúde ao nível do sector social e privado beneficia das condições que possam existir no que concerne ao acesso dos serviços prestados por psicólogos. Deste modo, são particularmente relevantes os avanços conseguidos nesta matéria nos últimos meses. Se, por um lado, a prescrição médica deixou de ser necessária para o acesso a consultas de psicologia no regime convencionado da ADSE, por outro, uma das maiores seguradoras, não só deixou de exigir a prescrição médica, como passou a ter uma oferta ampla no âmbito da psicologia para todas as renovações de apólice desde 1 de Novembro de 2021. Esta mudança, com clara valorização dos actos dos psicólogos, mas também com modalidades acessíveis por via da rede de prestadores e de reembolsos, é uma mudança com impacto sistémico estratégico para a saúde mental em Portugal. Neste momento, e também com contributo da OPP, outra grande seguradora prepara alterações significativas neste âmbito, algo que trará um cenário muito diferente, para melhor, no acesso aos cuidados de saúde psicológica em Portugal. Existe ainda o compromisso da ADSE de melhorar as condições de comparticipação no regime livre, bem como fazer cair a prescrição médica obrigatória que ainda existe. Entendemos que esta é uma mudança histórica fundamental para mais bem-estar e melhor saúde em Portugal, com impacto nos anos vindouros.
Como atrás referi, um contexto onde o papel dos psicólogos tem merecido investimento crescente significativo, decorrente do reconhecimento do seu trabalho, é o escolar. Ao número de cerca de 1700 psicólogos alocados pelo Ministério da Educação, acresce o trabalho de avaliação do bem-estar de alunos, professores e do clima organizacional, bem como do impacto da pandemia nas aprendizagens. Lamentavelmente a precariedade das contratações compromete a continuidade das intervenções e a eficácia das acções implementadas. Sem dúvida um caminho no sentido certo, dos rácios adequados e das práticas mais ajustadas à melhoria do sistema de ensino. No âmbito do seu papel, a OPP realizou a 3ª edição da campanha Escola Saudavelmente, atribuindo selos distintivos de boas práticas para a promoção do sucesso escolar, bem-estar e inclusão nas escolas, agrupamentos de escolas e jardins de infância de todo o país. Este ano, voltaram a bater-se todos os recordes de candidaturas de atribuição de selos. Em 2017-2019: 253 candidaturas – 99 selos atribuídos;2019-2021: 267 candidaturas – 161 selos atribuídos; 2022-2024: 474 candidaturas – 350 selos atribuídos. O sítio na Internet www.escolasaudavelmente.pt registou um crescimento significativo de procura, chegando a dezenas de milhares de pessoas com informação credível e recomendações para as práticas nas escolas portuguesas. As escolas estão agora convidadas a submeter os projetos de prevenção e promoção no OPP-Portal de Recursos / Programas de Prevenção e Promoção de Competências, para gerar recursos e disseminá-los a nível nacional. Estas submissões poderão também servir como propostas de respostas no âmbito do programa do Governo, Plano 21/23 Escola+, para a recuperação das aprendizagens e promoção do desenvolvimento socio-emocional.
Ainda no que diz respeito à atuação dos psicólogos/as junto de crianças e jovens destaca-se a colaboração entre a OPP e a CIG na concepção e implementação de uma resposta especializada de apoio psicológico e psicoterapêutico para menores vítimas de violência doméstica atendidas e/ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica, concretizada na disponibilização deste tipo de intervenção assegurada por 55 psicólogos/as, essencial para a recuperação das vítimas e para a interrupção do ciclo intergeracional de violência.
No domínio da justiça importa sublinhar o trabalho conjunto desenvolvido com a DGRSP no sentido de consolidar o contributo dos psicólogos/as na prevenção de práticas criminais, na promoção da efectiva reinserção social das pessoas em situação de maior exclusão e vulnerabilidade, e na diminuição da reincidência, que assume particular importância face ao aumento de alguns tipos de crimes, caracterizados no último Relatório Anual de Segurança Interna, como a violação e a delinquência juvenil.
No sentido de ultrapassar uma lacuna de respostas muito maior, ao nível do ensino superior, e com consequências no abandono escolar e no (in)sucesso académico, a OPP e a FLAD-Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, associaram-se de modo a criar, entre outras iniciativas no âmbito da saúde mental, um prémio para a implementação de projectos de promoção da saúde mental no ensino superior. Os 100.000 euros investidos pela FLAD, e as cerca de 30 candidaturas, fizeram desta uma das iniciativas com maior expressão de investimento em serviços de saúde e psicologia e um óptimo estímulo à maior visibilidade deste assunto junto das universidades e politécnicos, bem como para mudanças nas políticas públicas que alterem o actual paradigma de enorme carência de recursos. Apesar disso, é importante salientar, que os estabelecimentos de ensino não são os contextos adequados para apoio clínico, mas sim para actividades de prevenção e promoção, pelo que a intervenção clínica deve ser breve e pontual e não prioritária no contexto do investimento em serviços de psicologia no ensino superior.
Uma das áreas onde a avaliação psicológica é obrigatória é a que diz respeito à da regulamentação da actividade de segurança privada. Com efeito, desde 2013 que é legalmente obrigatória esta avaliação para a atribuição de carteira profissional e sua revalidação. Incompreensivelmente, num infeliz cúmulo de ineficiência e de aparente incúria até, o Estado não se mostrou capaz de tornar a lei efectiva até este momento. Após pressão mediática nos últimos anos, bem como pressão por parte da OPP, eis que de forma lenta, demorada e ineficaz, no passado ano é finalmente publicado o Despacho conjunto DGS-PSP para regulamentação desta Lei. Todavia, e depois de redobrados esforços da OPP para o efeito, continua sem ser aplicada e a própria PSP invoca o contrário do despacho por si emitido para não a aplicar. Resumindo, invoca a inexistência de uma plataforma electrónica, quando o referido despacho refere explicitamente que enquanto isso não acontecer serão as avaliações remetidas à PSP. Inexplicável e sem responsabilidade assumida por quem quer que seja, num dos piores exemplos do incumprimento pelo Estado das suas próprias atribuições em matéria de preservação e garantia de segurança e saúde dos cidadãos e da fiscalização das actividades que para ela concorrem. Também para este tema deixo o apelo ao Exmo. Senhor Presidente da República no sentido de intervenção para a garantia de protecção do valor da segurança dos cidadãos.
Se é verdade que a principal estratégia da OPP para contribuir para a segurança e saúde dos cidadãos tem estado na promoção da literacia e na sensibilização e informação, ao mesmo tempo que investe na formação profissional contínua dos psicólogos e psicólogas e na produção de linhas de orientação para as melhores práticas profissionais, tal como assegura o exercício disciplinar junto dos seus membros sempre que necessário, sem prescrições de processos, não é menos verdade que as práticas, por terceiros, de actos que apenas os psicólogos deveriam exercer, a bem da segurança e saúde da população, também é necessária. Assim, temos diligentemente denunciado às autoridades sempre que disso temos conhecimento (o que tem sido crescente acompanhando a visibilidade e relevância dada à saúde mental), a coberto de pretensas práticas profissionais, como coaching ou psicoterapia (não profissões, mas sim modalidades de intervenção).
Todavia, a psicologia e os seus profissionais têm, como o Exmo. Senhor Presidente bem sabe, uma abrangência de intervenção muitíssimo ampla, por todas as áreas e contextos da sociedade. Esta equipa directiva tem também assumido o compromisso de posicionar a profissão ao serviço da resposta aos desafios societais que enfrentamos, bem como na cooperação institucional e na prossecução do interesse público apoiando acções de prevenção e resolução de problemas complexos da mais variada natureza. Um exemplo é a parceria com o Centro Nacional de Cibersegurança, porque muito para além da tecnologia, os principais factores de segurança começam e acabam no comportamento das pessoas. Entre outras iniciativas destacamos a campanha de sensibilização de comportamentos seguros na internet para a população sénior "o que a Internet diz de si".
Tendo em conta que a nossa acção consequente depende muitas vezes de um enquadramento internacional, bem como da avaliação das políticas públicas, a OPP encetou uma acção junto da OCDE, com reuniões e sessões de esclarecimento, lançando as bases para uma colaboração mais aprofundada, nomeadamente na área da cooperação para o desenvolvimento.
Na sequência da nossa iniciativa, em parceria com a APA – American Psychological Association, a propósito da Crise Climática, iniciada com a Summit de Novembro de 2019 em Lisboa e que contou com a inestimável presença de V. Exa. o Sr. Presidente da República, continuámos esse trabalho como anteriormente lhe demos conhecimento. Em Julho passado realizou-se a segunda Summit, agora em Bogotá, na Colômbia, e no momento em que escrevo esta carta, está no prelo uma publicação neozelandesa sobre este nosso trabalho. Para além disso, neste âmbito, a OPP esteve presente, representando a Global Psychology Alliance, na COP26 em Glasgow. A crise climática, as secas, inundações, incêndios e outras catástrofes têm dimensões comportamentais e impactos na saúde das pessoas também ao nível mental. A sua capacidade de adaptação, a resiliência, pode ser incrementada e desenvolvida e a prevenção, envolvimento e mobilização das pessoas para contribuírem para a sua resolução também. São ambas objecto da psicologia. Todavia, continuam a não estar na agenda dos nossos governantes, embora façam também parte da formação dos nossos profissionais, sendo urgente o aproveitamento adequado destes recursos e contributos.
Uma palavra muito específica sobre as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Nestas regiões, particularmente na saúde e na educação, tem existido um trabalho ao longo dos últimos anos que tem garantido um crescente número de psicólogos nos serviços públicos, bem como uma valorização crescente dos seus contributos para as políticas públicas. Quanto à Madeira, destaque-se a iniciativa conjunta da OPP com a Assembleia Legislativa Regional com vista à promoção da literacia, nomeadamente na sensibilização para mais psicologia nas políticas públicas regionais. Já os Açores, viram o seu Governo Regional assumir o compromisso de contratação de 30 psicólogos para reforçar o Serviço Regional de Saúde, quase que duplicando o seu número, processo esse que se encontra quase concluído.
A incerteza tem pautado as nossas vidas. Também os próximos desafios da OPP e dos psicólogos e psicólogas estão sujeitos a muitas mudanças imprevistas certamente. Apesar disso, há alguma previsibilidade quanto a algumas matérias ou iniciativas e há um quadro importante em que nos inserimos para o futuro próximo. Há cerca de um ano, a OPP realizou um estudo socio-profissional. Nele foi possível ver uma evolução extremamente positiva da profissão face ao CENSO realizado há alguns anos. Destaco a enorme redução do desemprego na profissão, que já era em 2019 pouco expressivo (4,1% de acordo com o referido Estudo), para se tornar residual (1,5% de acordo com o mesmo trabalho). O estudo apontou para a crescente valorização da profissão, mas também assinala a continuidade de um problema já antigo, o da precariedade. Para além daqueles que são profissionais liberais e não precários há um número expressivo de psicólogos e psicólogas em situação de precariedade, situação que não pode deixar de nos preocupar e ser alvo de atenção e apoio.
É nesta sequência que realizamos a 28, 29 e 30 de Setembro, em Aveiro, o 5.º Congresso da OPP. Embora com menor dimensão que noutros anos, continuará a ser o maior evento de psicólogos e psicologia de Portugal e inovará mais uma vez. Será um Congresso ligado à comunidade e aos diferentes projectos locais. Será realizado em espaços mais informais, culturais e abertos da comunidade e que funcionará num registo de debate, conversas, entrevistas e em diálogo com outras disciplinas e profissões. As interacções com a tecnologia e o ambiente terão destaque, bem como os impactos da COVID-19 e os desafios da própria profissão que mais afectam a sua qualidade, credibilidade e evolução.
Os próximos tempos também trarão, previsivelmente, uma nova "lei das Ordens". Defendemos a necessária melhoria da actual legislação, mas recusamos complexificações, paternalismos ou falta de coragem política para assumir aquilo que é legítimo, desejável e verdadeiramente consequente nas atribuições das Ordens: o interesse público e o seu escrutínio. A OPP reitera, assim, mudanças essenciais quanto aos meios para uma mais célere acção disciplinar e para a garantia de justiça e segurança dos cidadãos, nomeadamente passando a permitir uma maior flexibilidade na composição do órgão jurisdicional e a sua remuneração. Por outro lado, rejeitamos a solução de supervisão proposta, pois consideramos que deve a tutela assumir as responsabilidades que não tem exercido até agora do ponto visto administrativo e que o parlamento deve passar a considerar activamente os relatórios de actividades das Ordens, que já recebe, chamando anualmente as/os Bastonárias/os ao parlamento, a prestarem contas pelas suas actividades enquadradas nas atribuições conferidas pelo Estado.
A maior visibilidade e sensibilidade para os impactos na saúde mental de diversos fenómenos, nomeadamente os dos media, tem levado a uma tentativa da OPP de trabalhar o tema em conjunto com a Entidade Reguladora da Comunicação Social. Finalmente, a ERC mostra-se agora empenhada no mesmo desígnio, pelo que, a breve prazo, esta será uma área de importantes desenvolvimentos.
Desde sempre que estamos empenhados na melhoria do acesso à profissão. Por isso temos investido em recursos que permitam melhores condições para o exercício da profissão nos primeiros anos: baixando emolumentos, apoiando na procura do primeiro trabalho em psicologia e no desenvolvimento de competências para tal (a não membros) e estimulando novas oportunidades de trabalho através da promoção de oportunidades em futuras entidades empregadoras (mais de 5.000 protocolos para anos profissionais júnior). Em 2022, considerando os números do primeiro semestre, voltaremos a números muito significativos com mais de 1000 estágios profissionais iniciados.
O futuro da profissão há muito que começou e esta reflexão permanente é um exercício importante para a evolução da profissão e para as escolas de psicologia. Até ao final do ano daremos novos passos neste trabalho em torno da construção de um Livro Branco sobre o Futuro da Profissão, em que a tecnologia está cada vez mais presente. Desde as intervenções a distância, à realidade virtual na intervenção psicológica e ao desenvolvimento de competências em particular ou no apoio das intervenções em aplicações móveis e as suas limitações e riscos, ou mesmo na aplicação da psicologia ao desenvolvimento aplicacional com inteligência artificial ou nas soluções mais robustas de cibersegurança. Para isto desenvolvemos parcerias internacionais e nacionais, como por exemplo com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, nos processos de digitalização em curso no SNS.
Este mesmo SNS e a sua organização e sustentabilidade terão, esperamos, desenvolvimentos e mudanças centrados na adequação às necessidades da população. O anunciado modelo de gestão, tendo em conta aspectos essenciais de autonomia aos vários níveis organizacionais, desenvolvimento de competências de liderança, reconhecimento das pessoas e do seu trabalho, mudança cultural para a promoção do bem-estar como crítica para a vinculação dos profissionais e para a sua produtividade carecem de acções concretas evidentes e sentidas no terreno, que invertam a descrença e a desesperança instaladas. Somos todos responsáveis pela tolerância e exigências máximas num processo muitíssimo complexo e que necessita do envolvimento de todos os parceiros e comunidade para poder ser bem-sucedido.
O SNS é essencial para o acesso à saúde das pessoas em condição de pobreza e exclusão e um factor importante para que se quebre o círculo geracional da sua manutenção e dos seus impactos na saúde, bem-estar e dignidade. Mas a pobreza decorre de muitos factores que importam transformar. A psicologia, enquanto ciência e prática, tem importantes contributos a dar. Para a mobilização dos profissionais, para informar a sociedade civil das suas causas e consequências, os decisores dos contributos da ciência psicológica e para a cooperação (inter)nacional num problema que não tem fronteiras, a OPP lançou a campanha " . Final à Pobreza" (https://finalapobreza.pt) na qual tentará envolver e dinamizar soluções que contribuam para a erradicação da pobreza.
Com este mesmo propósito, a partir de Novembro deste ano, assumirei a presidência da FIAP – Federación Iberoamericana das Asociaciones de Psicología tentando contribuir numa dimensão internacional para a mitigação deste problema tão complexo e global, esperando lançar acções que sejam já visíveis no 6º Congresso da OPP e XII Iberoamericano de Psicologia, de 18 a 20 de Setembro de 2024, em Portugal, e para o qual gostaria, desde já, de demonstrar a enorme vontade e honra de podermos contar com a presença do Sr. Presidente da República, o que aconteceria pela primeira vez num nosso Congresso.
Exmo. Senhor Presidente da República, o nosso primeiro compromisso é com o interesse público da nossa profissão, que tudo fazemos para desenvolver, de modo a melhorar permanentemente a qualidade e o acesso aos nossos serviços. É nesta moldura que assumimos o compromisso com os nossos membros, que representamos, de mobilizar e contribuir para a resolução de desafios societais, em estreita cooperação institucional, construtiva e responsavelmente. Os psicólogos e psicólogas, continuam persistentemente, com esforço, dedicação e humanismo ao serviço do país, das comunidades e do desenvolvimento com coesão social. Dizemos presente e fazemos acontecer. Queremos um país onde aconteça e se possa viver o nosso melhor e das futuras gerações.
Termino, solicitando a V/Exa. que me conceda uma audiência onde muito gostaria de ter a oportunidade de aprofundar estes temas.
Apresento os meus respeitosos cumprimentos e subscrevo-me,
O Bastonário da
Ordem dos Psicólogos Portugueses
Francisco Miranda Rodrigues
Para aceder a todas as cartas enviadas, clique aqui.