Carta Primeiro-Ministro | COVID-19

ASSUNTO: Contribuição dos psicólogos para a recuperação económica.

Exmo. Senhor Primeiro Ministro, Dr. António Costa,

Num momento em que as preocupações dos decisores estão cada vez mais focadas na economia, ainda que numa estreita articulação com os dados de saúde e os conselhos técnicos nesta área, é minha obrigação alertar V. Exa. para o impacto na economia de uma das consequências desta crise , os problemas de saúde psicológica. Neste sentido, queremos reforçar o compromisso e disponibilidade da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e dos Psicólogos para contribuir para soluções que permitam ao país e às pessoas que nele vivem e trabalham e que fazem verdadeiramente a sua economia, estarem nas melhores condições possíveis para fazerem a recuperação (económica) do país.

Deste modo, importa sublinhar alguns aspectos que gostaríamos que fossem acautelados na tomada de decisão sobre as medidas futuras:

• A evidência científica existente aponta para diversos impactos na saúde mental e que estes podem atingir 25% do total de população afectada no decorrer de uma crise ou catástrofe;

• Na sequência da crise de 2008, a investigação realizada demonstrou a existência de uma correlação entre o aumento do desemprego e o aumento de suicídios, sendo estes, parte de um conjunto de problemas e de várias perturbações resultantes da situação de desemprego;

• De acordo com dados de investigação ainda recente, poderá esperar-se um aumento significativo do absentismo e do burnout nos meses que seguem, assim

como se estima que 25% da população possa vir a ter uma redução de 35% na sua produtividade;

• Está amplamente estudada a relação entre a pobreza, saúde em geral e saúde psicológica em particular, bem como até no desempenho cognitivo, sendo este um círculo vicioso difícil de quebrar e que é criador ou ampliador de desigualdades, dificultando a coesão social;

• Sabemos ainda que existem impactos psicológicos duradouros, com reflexo na produtividade e em custos de saúde como resultado de crises económicas/financeiras;

• Os custos directos com o stress e problemas de saúde psicológica no trabalho ascendem a 3.000 milhões de euros por ano em Portugal, apenas avaliando o seu impacto nas empresas do sector não financeiro. A sua prevenção poderia poupar cerca de 1/3 deste valor anualmente (Dados OPP, 2019).

Dos factos acima apresentados resulta a necessidade de agir, relativamente à saúde e à economia, de um modo preventivo e para o desenvolvimento das pessoas, o seu bem-estar e a coesão social. Para esse fim, integrada numa estratégia económica, propomos tornar prioridade:

- Garantir o acesso a cuidados de saúde psicológica e os recursos para a implementação de programas de prevenção e de promoção da saúde através do reforço de psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários;

- Salvaguardar o direito à saúde (e especificamente à Saúde psicológica), a redução dos impactos no SNS e a igualdade e justiça concorrencial através: da obrigatoriedade de implementação de medidas preventivas pelas organizações (dos sectores privado, social/cooperativo e público), no que concerne aos Riscos Psicossociais, nomeadamente ao stresse e ao burnout; estimulando específicamente o investimento nas medidas preventivas do stresse e do burnout, criando linhas de financiamento para os diferentes sectores da economia (se possível com enquadramento em fundos comunitários);

- Promover o desenvolvimento de competências e a resiliência dos cidadãos face a um novo cenário socioeconómico caracterizado por um ambiente de incerteza, imprevisibilidade, ambiguidade e complexidade, nomeadamente através da criação de

um programa de desenvolvimento de competências socioemocionais para cidadãos em situação de transição profissional ou desemprego.

Exmo. Sr. Primeiro Ministro, o país pode contar com mais de 20 mil psicólogos, e ao contrário do que acontece em muitos outros países, tem profissionais competentes para aplicar os conhecimentos e desenvolver estratégias baseadas nas evidências da ciência psicológica, onde outros têm necessidade de improvisar. Já antes desta crise, nem todos estes profissionais conseguiam dar o seu melhor a Portugal na profissão que abraçaram e são uma minoria aqueles que dão o seu contributo no âmbito da administração pública.

Os psicólogos têm sido crescentemente reconhecidos, em particular em contextos de crise como a que agora vivemos, assim como os comportamentos das pessoas, área central do estudo da Psicologia, nunca foram tão valorizados como agora. Todavia, os psicólogos são também profissionais essenciais para ajudar Portugal na prevenção de próximas crises, na redução dos impactos da actual e a preparar as pessoas deste país para que possam ajudar numa recuperação mais rápida e com menos custos, dos mais variados tipos, para todos.

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, seja com que designação for, urge uma Agenda de Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas para a Coesão Social e Competitividade. Conte connosco, como tem contado proactivamente até aqui.

Apresento os meus respeitosos cumprimentos,

O Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Francisco Miranda Rodrigues