Lisboa, 30 de abril de 2020 – É necessário ter respostas no âmbito da saúde mental adequadas a este contexto de pandemia - que obrigou ao isolamento de cerca de 25% da população (2,6 bilhões de pessoas) - a OPP pretende contribuir para refletir sobre as respostas, as necessidades e as recomendações. Além da reflexão sobre a importância da prevenção e promoção da saúde psicológica durante e após a pandemia, o documento também faz referência ao website www.saudemental.covid19.min-saude.pt, ao aconselhamento psicológico da linha SNS24 e à norma da DGS 011/2020.
Contexto
No âmbito da pandemia COVID-19, enquanto problema de saúde pública que afecta todos os cidadãos, sem excepção, a saúde mental/psicológica ocupa um lugar de destaque, não apenas pelo impacto mental negativo e expectável da pandemia e da situação de isolamento, mas também porque constitui um factor protector e um elemento crucial para a resiliência necessária para enfrentar os desafios que o período de crise económica e social, pós-pandemia, trará», refere o documento na sua introdução.
O isolamento devido à pandemia é um desafio extremamente exigente para todos e provoca inevitavelmente impactos psicológicos da crise socioeconómica que decorre da crise epidemiológica. As consequências desses impactos duradouros são inevitáveis e passam por um aumento das perturbações de saúde mental e do suicídio, mas também de sintomas que vão necessitar de intervenção psicológica especializada. É por isso imprescindivel acautelar os cuidados de saúde primários, para que seja possível recuperar a saúde, o bem-estar e evitar ou mitigar a repercussão na produtividade laboral.
Números e enquadramento
- Em Portugal, cerca de 23% dos cidadãos já sofrem de perturbações da saúde mental; em conjunto com a Irlanda do Norte, temos a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas na Europa. E que o grupo das perturbações de ansiedade é o que apresenta uma prevalência mais elevada (16,5%), seguido da depressão (7,9% do total das doenças mentais). Durante a pandemia, é expectável um aumento dos sintomas de ansiedade e de stresse, bem como sintomas depressivos, irritabilidade, sofrimento emocional e insónia. Um estudo realizado nos Estados Unidos, no início de Abril, revelou que quase metade dos adultos (45%) reportava impactos negativos na sua saúde mental devido à preocupação e ao stresse gerados pela situação de pandemia. Existe ainda o risco de aumento dos comportamentos auto lesivos e do suicídio. Em 2003, a epidemia de síndrome respiratório agudo foi associada a um aumento do suicídio nas pessoas com mais de 65 anos e cerca de 50% dos doentes permaneceram ansiosos, mesmo depois de terem recuperado da doença. Há ainda o risco acrescido de depressão e de perturbação de stress pós-traumático para aqueles que sobrevivem à doença.
- Segundo as estatísticas da OCDE (2018) correspondentes ao ano de 2017, o volume de vendas de ansiolíticos em ambulatório correspondia nessa data a 2% de todos os fármacos vendidos em território nacional, representando uma despesa de 51,9M€. Portugal estava em primeiro lugar comparativamente a todos os outros países da OCDE. Já relativamente aos antidepressores, Portugal encontrava-se em terceiro lugar, apenas ultrapassado pelo Canadá e por Espanha, sendo que o volume de vendas se situava nos 3,8%, tendo associada uma despesa de 92,9M€
- Um corpo substancial de investigações confirmam a emergência de riscos para a Saúde Psicológica em períodos de crise económica. um aumento de 1% na taxa de desemprego está associado ao aumento da taxa de suicídios de 0,79%. Em Portugal, de acordo com o Relatório de Primavera 2012, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, os efeitos da recente crise socioeconómica na Saúde Psicológica foram sobretudo relativos à perda de autoestima, depressão, ansiedade e risco de comportamentos suicidas.
- Os custos directos com o stress e problemas de saúde psicológica no trabalho ascendem a 3.000 milhões de euros por ano em Portugal, apenas avaliando o seu impacto nas empresas do sector não financeiro. A sua prevenção poderia poupar cerca de 1/3 deste valor anualmente.
- De acordo com dados de investigação ainda recente, poderá esperar-se um aumento significativo do absentismo e do burnout nos meses que seguem, assim como se estima que 25% da população possa vir a ter uma redução de 35% na sua produtividade.
- A evidência científica disponível demonstra a relação custo-efectiva da intervenção psicológica que, comprovadamente, permite não só aliviar o sofrimento, prevenir as perturbações do foro psicológico e/ou minorá-las, mas também reduzir os custos com a saúde e contribuir para a diminuição do impacto num conjunto de variáveis económicas e sociais. Sublinhamos, contudo, que esta necessidade não é compatível com os cerca de 250 psicólogos que existem nos cuidados de saúde primários (por cada 100 000 utentes existem apenas cerca 2,5 psicólogos), sendo necessário pelo menos duplicar o número de profissionais disponíveis, salvo diferenças regionais, cujas especificidades podem levar a necessidades acrescidas
A resposta
O modelo de resposta que está em vigor foi adaptado do modelo dos incêndios de 2017, que estava preparado para as catástrofes e não é adequado a uma situação com estas características. Para enfrentar as necessidades acrescidas da saúde mental é «necessária uma resposta adaptada aos desafios epidemológicos e comportamentais que vivemos atualmente e que se prolongarão no tempo», pode ler-se no documento.
As necessidades
Mais do que nunca, «dentro e fora do SNS é necessário apostar nas acções de prevenção, de promoção da saúde e do desenvolvimento das pessoas». Tanto os profissionais de saúde como os cidadãos devem estar capacitados para comportamentos que devem incluir medidas para o aumento da literacia em saúde, para a educação para o auto-cuidado e a auto-regulação, para o desenvolvimento de competências transversais de vida, para a adopção de estilos de vida saudáveis e para a resiliência e a capacitação da população. A evidência científica prevê um aumento dos problemas de saúde mental (como ansiedade, stress, consumo excessivo de álcool, tendências suicidas, etc) no decorrer da pandemia e após o regresso às rotinas habituais.
As recomendações
«Considerando este aumento expectável de problemas de saúde mental/psicológica será necessário mobilizar recursos materiais e humanos, sendo indispensável a participação dos psicólogos», avança o documento.
Por um lado, é urgente alterar a legislação que determina as regras de contratação dos psicólogos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para reforçar rapidamente o seu número, com prioridade para os cuidados de saúde primários e aceleração da organização de serviços em curso. Por outro lado, é importante facilitar o acesso generalizado aos serviços prestados pelos psicólogos no SNS, particularmente nos cuidados de saúde primários, melhorando os circuitos de encaminhamento e referenciação.
Estas duas necessidades traduzem-se na prática na importância de garantir o acesso atempado aos cuidados psicológicos a todos os cidadãos, garantir a realização de diagnóstico precoce e a sua monitorização, prevenir e promover a saúde mental nos cuidados de saúde primários, contextos laborais e escolares e desenvolver programas de intervenção para proteger e promover o bem-estar.
Em conclusão, «só será possível assegurar o acesso atempado e equitativo de todos os cidadãos aos cuidados de saúde necessários, de acordo com as suas necessidades, reforçando o número de psicólogos existentes no SNS e aumentando a possibilidade de acesso dos cidadãos aos serviços por eles prestados».
Mais Psicólogos no SNS significariam maior acessibilidade a intervenções custo-efectivas num leque mais diversificado de áreas, benefícios clínicos, benefícios económicos e sociais e maior capacidade para intervir no acréscimo de perturbações da saúde mental/psicológica.
O website
O website www.saudemental.covid19.min-saude.pt tem potencial para contribuir para a saúde mental dos portugueses, mas poderá melhorar alguns aspetos, como dar maior enfâse na dimensão fundamental da prevenção e promoção da saúde mental, disponibilizar e dar mais visibilidade a mais materiais de apoio como os que a OPP produziu e encaminhar corretamente para a ajuda profissional de psicólogos qualificados e do próprio serviço de aconselhamento psicológico da Linha SNS24.
A Linha SNS24
Em funcionamento desde o dia 1 de abril, o serviço de aconselhamento psicológico no âmbito da linha SNS24, concebido e desenhado pela OPP em parceria com os SPMS conta com 60 psicólogos e funciona 24h por dia e 7 dias por semana. Este serviço foi criado por iniciativa do Governo e poderia ser ainda mais útil se fosse alvo de uma maior divulgação por parte das autoridades de saúde, com o objetivo de ser conhecido pelos cidadãos particularmente os mais vulneráveis.
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