"Exmo. Senhor Presidente da República,
Por uma última vez, enquanto Bastonário, dirijo-me a S. Exa., agora que estou a finalizar o meu segundo e último mandato como Bastonário, quase 16 depois de ter iniciado o meu contributo para a construção da Ordem dos Psicólogos Portugueses, primeiramente como membro da sua Comissão Instaladora. Antes disso tinham sido 7 anos na direcção da extinta Associação Pró-Ordem dos Psicólogos. Através deste trabalho tive o privilégio de me realizar servindo o meu país através do desenvolvimento da nossa profissão, da sua dignificação e reconhecimento e valorização, bem como fazendo da psicologia em Portugal, enquanto ciência e profissão, um elemento cada vez mais visivelmente central da nossa vida em sociedade.
Este último período, de 2024, é marcado pelo intenso trabalho de adaptação dos regulamentos da Ordem à conformidade com os novos estatutos. Foi, como previsto, uma tarefa complexa e por vezes difícil. Começou em Janeiro e durou até final de Agosto. Foi eleito o Conselho de Supervisão. Infelizmente, o desenho deste novo órgão, como aliás alertei várias vezes, atempadamente, em fase de discussão das alterações aos estatutos das Ordens, coloca em risco o regular funcionamento da OPP. Apesar dos esforços levados a cabo, não foi possível eleger dentro do Conselho o seu quinto elemento, nem colocar o órgão em funcionamento e assim proceder à designação do Provedor dos Destinatários dos Serviços. Insisto em considerar como desadequada a solução administrativa e legal do legislador quando criou este órgão de supervisão. Os enunciados políticos desta proposta seriam melhor cumpridos com a medida que propusemos e acabou consagrada na legislação, de escrutínio pelo parlamento, através da audição dos Bastonários sobre execução das atribuições legais das Ordens. Da minha parte, no que depende de mim, desde 2018 que me reúno com a Presidência da Assembleia da República, de forma a entregar em mão o nosso Relatório de Actividades.
Esta alteração de estatutos trouxe uma nova atribuição às Ordens, a de fiscalização. Com esse propósito tomámos a iniciativa de fazer um protocolo com a Entidade Reguladora da Saúde, de modo a tornar melhor e mais rápida a efectivação desta nova atribuição.
No início de 2024 era já evidente que, tratando-se do último ano de mandato e de um ciclo, seria mais do que um ano de conclusão de projectos. Em simultâneo, o país entrava num processo eleitoral antecipado, com tudo o que isso implica em Portugal em termos de disrupção do trabalho realizado em diferentes organismos públicos e na nossa cooperação e articulação com estes e com o Governo. Novos titulares de cargos governativos implicam ainda novas relações de confiança, informação sobre os dossiers e novo arranque de projectos em curso. Assim, seria um ano muito desafiante por razões muito diferentes dos anteriores, com mais dificuldade para o andamento dos trabalhos em curso e para a sua conclusão. A propósito das eleições legislativas, voltámos a realizar um debate para o qual convidámos todos os partidos com assento parlamentar para uma discussão sobre a forma como pretendiam ou não dar sequência às principais propostas que têm vindo a ser apresentadas por nós ao poder político. O início de uma nova legislatura trouxe a necessidade de intervenção pública imediata sobre as anunciadas alterações aos trabalhos em curso no SNS. Desde o primeiro momento alertámos para os enormes riscos de uma alteração precipitada na liderança da Direção Executiva do SNS. O que se verificou em seguida foi concordante com os nossos receios. Felizmente, em aspectos mais específicos relacionados com os psicólogos foram mantidos os compromissos e trabalhos em curso. Todavia, não é de mais reafirmar o tempo perdido neste processo. Apesar disso, os concursos de psicólogos, anteriormente previstos, para as Unidades Locais de Saúde (ULS) começaram a ser abertos mais recentemente. Foi também homologado o Regulamento de Estágios Profissionais da OPP no SNS. Contudo, depois de em Janeiro de 2024 o Governo anterior ter cumprido a promessa de reconhecer a especialidade da OPP para todos os efeitos ao nível do SNS, acabando com um anacronismo e injustiça de muitos anos, através do Decreto-Lei 5/2024, ainda várias ULS continuam inexplicavelmente sem o aplicar, em incumprimento da Lei, sem que haja qualquer consequência ou acção no sentido da sua regularização, apesar das nossas insistências. E isso tem um impacto negativo em largas dezenas de profissionais. Há mais de 7 meses que aguardamos que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) dissemine um documento com orientações que ajude a desbloquear este processo, que mina o ambiente nas instituições de saúde e faz germinar a sensação de injustiça entre os profissionais. Paralelamente, o facto de as centenas de psicólogos já na carreira não terem qualquer revisão da mesma há mais de 20 anos aumenta essa atmosfera de injustiça e para isso temos alertado, desde há anos, das mais diversas formas que nos são adequadas, de acordo com as nossas atribuições, apelando à valorização e dignificação dos especialistas de Psicologia Clínica e da Saúde da carreira Técnica Superior de Saúde no SNS. Este atraso em dotar as unidades de saúde dos mínimos recursos para a resposta às populações, no que aos serviços de psicologia diz respeito continua a deixar mais de 50% da população, incluindo crianças e jovens, com enormes dificuldades para aceder aos cuidados de saúde que necessitam. É inadmissível que não se tenha visto até hoje um sentido de urgência na resolução desta situação. Se apenas acorremos à doença física e aos assuntos de vida ou de morte podemos ter a certeza que nem a esses estamos a acorrer. O essencial é (mesmo) invisível aos olhos.
Por outro lado, os cidadãos que têm uma melhor condição sócio económica têm hoje uma ampla cobertura de seguros de saúde e alguma comparticipação da ADSE, agora um pouco melhorada em ambos os regimes, convencionado e livre, e já sem a anacrónica prescrição médica obrigatória para acesso a essa comparticipação em qualquer uma das modalidades de acesso. Está também já em pleno funcionamento uma solução digital de verificação da fidedignidade dos recibos emitidos pelos profissionais para efeitos de reembolso, aumentando a integridade deste sistema. A isto acresce o Cheque-psicólogo, dirigido a jovens estudantes do ensino superior, complementando transitoriamente a oferta escassa existente noutros serviços, melhorando também por esta via o acesso aos serviços dos psicólogos, numa etapa do desenvolvimento onde é mais comum o aparecimento de várias perturbações mentais e de personalidade e onde os desafios de adaptação inerentes a esta fase da vida são muito salientes. Muitos recearam que esta medida significasse o fim do investimento em serviços públicos como os do SNS e do Ensino Superior. Face às garantias dadas pelo Governo de que disso não se trata, a medida é positiva. Paralelamente, continua em curso a implementação de 40 projectos de apoio aos estudantes do Ensino Superior, no que concerne à prevenção e à promoção da saúde mental, naquela que é uma medida essencial para mais capacidade estrutural e preventiva neste domínio, reforçando também o número de psicólogos disponíveis. Foi ainda constituída uma Bolsa de Recrutamento de Psicólogos para a Movijovem de modo a facilitar o acesso da população jovem aos serviços prestados por psicólogos.
Treze anos após a sua primeira versão, publicámos uma nova versão do Código Deontológico. O processo de aprovação do novo código deontológico ocorreu nos últimos quatro anos, tendo estado entre os dias 12 de Abril de 2023 a 23 de Maio de 2023 em consulta pública. Depois de aprovada pela direcção nacional foi apresentada e votada a sua versão final em Assembleia de Representantes no dia 12 de Julho de 2024 e publicado no dia 14 de Agosto em Diário da República. Nesta versão adaptamos o código para melhor responder aos desafios do nosso tempo, entre eles o da tecnologia.
Sendo tempo de abrir a porta ao futuro, trabalhámos com um grupo de psicólogos mais jovens, sob a égide da justiça intergeracional e do legado às novas gerações. O objectivo foi desenvolver um trabalho que permita contribuir para a justiça intergeracional: nas políticas públicas para as quais a OPP apresenta propostas, nos processos internos e decisões de gestão da OPP e entre os membros da OPP. A reunião foi organizada tendo como base a ferramenta "Intergenerational Fairness", desenvolvida por várias entidades, com a colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian. Destaco três áreas de trabalho: transição digital, desenvolvimento profissional em contexto multicultural e em redes de cooperação internacional, bem como a da valorização dos atos dos profissionais e a sua equidade intersectorial.
Este é o último andar construído ao longo destes anos, de um edifício de investimento na relação e apoio aos mais jovens ao acesso à profissão, desde o tempo de estudantes de psicologia, com a Academia OPP, passando pela entrada na profissão, através do Ano Profissional Júnior e a diferenciação positiva nos primeiros anos de quotização. A propósito do futuro e do acesso à profissão, pese embora o ano de 2023 tenha apresentado bons números de estágios profissionais (cerca de 1150) e quando lhe escrevo estarmos em linha com o ano anterior, receamos alguns riscos decorrentes de situações acumuladas, se continuarmos sem a execução de medidas compensatórias. Assim, depois das alterações aos estatutos terem criado alguns obstáculos novos à possibilidade de realização de certos estágios de cariz mais liberal (paradoxal numa profissão como a nossa), devido à forma de pagamento não prever excepções, nem a possibilidade de flexibilidade na duração do estágio, deparamo-nos sem aviso, sem diálogo e sem consciência, com a alteração da duração do financiamento dos estágios pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a ser reduzida de 9 para 6 meses, sem excepções que se apliquem ao nosso estágio. Relembro que o tempo de duração do actual estágio profissional da OPP está nos limites mínimos para o cumprimento do diploma europeu de psicologia – EUROPSY. Tendo em conta que mais de 90% dos estágios são realizados nos sectores social e privado, os riscos de redução de oportunidades são consideráveis. Para além das alterações que já propusemos ao Ministério do Trabalho, com conhecimento do Ministério da Juventude, também já reunimos, em contexto do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), com o IEFP, a todos propondo alternativas com a respectiva quantificação de impacto orçamental. Também é necessária uma compensação pela criação de um mínimo de estágios na administração pública, como temos vindo a propor reiteradamente. O que considero pouco dignificante do exercício de um cargo governativo é a atitude de total silêncio face a estas exposições e inúmeros pedidos de audiência à Sra. Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, desde o momento em que tomou posse e que passados 7 meses continuam sem resposta. Total silêncio, num desrespeito para com a instituição pública que represento. Também por isso está prejudicado o nosso objectivo de conclusão do processo que iniciámos com vista à alteração legislativa de saúde e segurança no trabalho, com alterações como a inclusão do psicólogo do trabalho nas equipas de saúde ocupacional. Apenas agora, um ano depois do previsto, foi para consulta pública o Livro Verde do Futuro da Segurança e Saúde no Trabalho. Isto no ano em que o Dia Mundial da Saúde Mental foi dedicado à Saúde Mental nos Locais de Trabalho e em que voltámos a superar o número de empresas candidatas aos selos e prémios locais de trabalho saudáveis, na sua 5.ª edição: a distinção mais credível de promoção das boas práticas de gestão das pessoas nas organizações que temos no nosso país. Também para conclusão futura de todo o trabalho realizado até agora fica a execução do protocolo assinado entre a OPP e o Conselho Económico e Social. As linhas de trabalho futuras, nomeadamente quanto ao necessário investimento na promoção da saúde mental nos locais de trabalho, são uma semente importante. Não menos importante foi o último passo de um trabalho que durou alguns anos, para a concretização de um projecto piloto com o Instituto de Emprego e Formação Profissional – UpCycling: Desenvolvimento de Competências Socioemocionais e de Carreira de Pessoas em Situação de Desemprego. Foi criado um modelo adaptado à realidade portuguesa, que permite o desenvolvimento destas competências, críticas para aumentar as probabilidades de muitas das pessoas que caem numa situação de desemprego dela saírem, reentrando no mercado de trabalho sustentavelmente. Há muito que sabemos que pessoas com mais empatia, melhor comunicação interpessoal, e com boa autor-regulação emocional têm mais aceitação pelos empregadores. A recente formação dos psicólogos do IEFP para a implementação deste modelo, é não só uma forma de rentabilização de recursos da instituição, como de valorização e realização profissional dos mesmos, enquanto permite mais facilmente a capilaridade futura do projecto.
No que concerne à actividade dos psicólogos nas escolas, estes foram mais uma vez reconduzidos, mantendo-se o número de cerca de 1.800 psicólogos colocados pelo Ministério da Educação. Lamentavelmente, a realidade da maioria destes psicólogos, pese embora o Orçamento do Estado 2024 previsse a sua vinculação definitiva, é ainda de precariedade. Mais uma vez, as transições entre diferentes governos criaram dificuldades a que este objectivo, reiterado pelo actual Governo, pudesse já ter sido finalizado. Perante o compromisso existente, fica a expectativa e a esperança que, agora que um caminho de afirmação e reconhecimento destes profissionais foi feito, agora que temos um Referencial dos Psicólogos em Contexto Escolar revisto e melhorado, aceite e consensualizado entre todos, também este justo e importante passo de dignificação dos psicólogos nas escolas possa ser dado em breve.
Neste mandato, desde 2021, foram mais de 340.000 km percorridos em iniciativas de proximidade.Estivemos de Vila Real de Santo António, até Viana do Castelo, Bragança ou no Corvo e Porto Santo. Por todo o país. Conhecemos as realidades do trabalho dos psicólogos e psicólogas e demos a conhecer estas situações ao poder político, contribuímos com propostas ou desenvolvemos respostas. Naquela que é uma das facetas concretas de proximidade. Com isto, com a digitalização elevada dos serviços e com a melhoria de infra-estruturas tornámos a OPP cada vez mais presente e impactante na vida dos psicólogos e psicólogas.
Em Julho deste ano, inaugurámos as novas instalações da Delegação Regional Norte da OPP, dotando-a de melhores condições para o cumprimento da sua missão de representação da OPP na região norte.
Continuamos o esforço de contributo para as políticas públicas com a produção de muitos documentos. como por exemplo "Combate às Alterações climáticas: o papel dos psicólogos", "Vamos falar sobre Ecrãs e Tecnologias Digitais" e "Prevenção do Suicídio: Intervenções e Políticas Públicas Efectivas", ou ainda num trabalho conjunto com o Serviço Jesuítas aos Refugiados, o "Kit de Saúde Mental para Migrantes". Simultaneamente, elaborámos vários conteúdos dirigidos à população em geral de modo a promovermos a literacia em diversos temas relacionados com a psicologia. Esta promoção da literacia tem tido uma acção específica sobre a pseudociência e os seus riscos, bem como vivido aliada ao combate à usurpação do nosso título profissional e à prática de actos próprios da profissão por pessoas não habilitadas para o efeito. As situações mais preocupantes dizem respeito ao coaching e à psicoterapia. Quanto a esta, temo-nos posicionado conjuntamente com outras profissões da saúde. O exemplo mais recente é o trabalho feito conjuntamente pelos Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e pelo Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da nossa Ordem. Mais um documento onde é clarificado o risco de termos uma profissão autónoma para uma actividade que já hoje está regulada no âmbito das profissões autorreguladas da saúde. A firme oposição à criação de uma profissão autónoma visa assim, antes de mais, a protecção da segurança e saúde dos cidadãos. Mas é também um dever que tenho, pois jurei promover o desenvolvimento da profissão, e a extracção de uma parte de nós, que praticam este acto que é psicoterapia, para a criação de outra profissão é contrária à integridade da profissão e, logo, ao seu desenvolvimento, enquanto confundiria os cidadãos.
Na linha de uma estratégia editorial que assumimos em 2017 e reassumimos em 2021, publicámos os livros "Avaliar, Intervir e Prevenir os Riscos Psicossociais" e
"Já não sei que te diga! O papel do diálogo construtivo no nosso dia-a-dia". Para além disso participámos com um capítulo no Handbook of International Psychology (2nd Edition).
A formação profissional contínua manteve-se com forte participação dos psicólogos e procurámos responder a necessidades da profissão criando novos cursos, como é exemplo o referente a avaliação psicológica de candidatas/os a vigilantes, num compromisso com a nossa legislação e a promoção das boas práticas.
A transição digital e a ligação da psicologia à tecnologia sempre esteve no nosso radar e mereceu crescente atenção e investimento. Não é totalmente surpreendente que tenhamos voltado a inovar e liderar precisamente nesta área. Fomos a primeira organização de psicólogos em todo o mundo e a primeira Ordem em Portugal, a criar um assistente virtual do tipo Copilot (com inteligência artificial generativa do tipo ChatGPT da Microsoft e OpenAI). Está disponível para todos os psicólogos gratuitamente através da sua área pessoal. Foi treinado com mais de 750 documentos da OPP, interage em dezenas de idiomas e permite apoiar o exercício profissional em 3 grandes dimensões: dúvidas administrativas e regulamentares; orientações sobre intervenção e prática profissional; reflexão sobre dúvidas éticas e deontológicas. Depois da realidade virtual na formação dos psicólogos júnior e das experiências formativas virtuais certificadas, em ambas como pioneiros mundiais na psicologia, julgamos que assim damos mais um contributo para estimular o desenvolvimento de competências digitais pelos psicólogos e a sua aproximação à utilização da IA. Todavia, é essencial ir mais além e potenciar que os jovens psicólogos se inspirem no recente Prémio Nobel da Física, o psicólogo Geoffrey Hinton, precisamente devido aos trabalhos pioneiros que desenvolveu na área da inteligência artificial.
No Dia Nacional do Psicólogo, para além de actividades de proximidade, assinalámos esta data com a publicação do Manual Autocuidado para Psicólogos. Assim como, logo na primeira entrevista que dei enquanto Bastonário, à revista Sábado, em 2017, sinalizei a necessidade de os psicólogos recorrerem aos seus pares psicólogos e cuidarem da sua saúde e desenvolvimento pessoal, demos mais este passo na transformação de rede de apoio aos psicólogos.
Foi também um ano de Congresso, o 6.º Congresso da OPP, simultaneamente o XIII Congresso Iberoamericano de Psicologia. Para que em Setembro tivéssemos o maior Congresso de psicologia de sempre em Portugal, um dos maiores já realizados na Europa, com cerca de 3000 participantes, de 22 países, durante 3 dias, com 500 oradores, muito teve de começar a ser feito, muito tempo antes, por uma equipa dedicada e competente. O Congresso é um momento de reforço identitário, de partilha, discussão e projecção da profissão e da ciência. É um ponto de encontro entre diferentes disciplinas e profissões. É um fórum de debate de temas por vezes fracturantes na nossa sociedade. É construído a pensar nos contributos que podem ser disseminados para a população e para os decisores, bem como ser atractivo para diferentes profissionais, seja pelos formatos dinâmicos, seja pelo convite a novas experiências relacionais, tecnológicas e científicas. Este Congresso era mais um Congresso com múltiplos Congressos dentro dele. Mas há uma iniciativa que destaco, resultante da parceria dinâmica e frutuosa com a APA – American Psychological Association, a Technology, Mind and Society Conference, que ocupou o Pequeno Auditório do CCB durante um dos dias do Congresso. Durante este Congresso, a OPP e o Conselho Federal de Psicologia do Brasil assinaram um protocolo de colaboração que pretende dar um impulso na relação entre as duas instituições com vista a uma cooperação internacional luso brasileira sustentável nos próximos anos.
Fizemos tudo isto ao mesmo tempo que fomos desenvolvendo internamente a nossa Ordem. A Ordem também é uma organização. Para além dos órgãos sociais são mais de 60 trabalhadores. Desde 2013 somos a primeira Ordem com um sistema de gestão da qualidade e a sua certificação. Nestes dois mandatos iniciámos um programa de bem-estar interno com já dois ciclos de avaliação dos riscos psicossociais e planos de prevenção em execução. Para além disso estamos a terminar a implementação do sistema de conciliação vida pessoal e familiar com o trabalho e sua certificação. Desenvolvemos também um plano de avaliação remuneratória para assegurar o cumprimento do "gender-pay-gap" e um plano de desenvolvimento das lideranças, integrando um programa de mentoria. Os rácios de autonomia financeira e solvabilidade da OPP evoluíram de 33,42% e 50,19% em 2017 para 63,17% e 171,48% respectivamente, em 2023. Apesar disso a prioridade estratégica da OPP foi assumida e sistematicamente a alocação dos seus recursos aos investimentos e serviços necessários para prossecução das suas atribuições e execução do nosso programa político, garantindo uma enorme e crescente visibilidade à profissão, a sua credibilização e influência política, garantindo as melhores pessoas e parceiros para a implementação das medidas, eventos e acções necessárias.
Tudo o que fizemos foi conscientemente pensado por forma a respeitar as nossas atribuições. As Ordens não são sindicatos. A Lei impede-nos de realizar acções desta natureza. O facto de serem as questões laborais, actualmente aquelas que mais preocupam e causam danos e insatisfação nos psicólogos, complexificam a acção da Ordem. Permanentemente é necessário esforço e coragem para resistir a tornarmo-nos uma vox populi de muitos membros nessas dificuldades e anseios. Exige vigilância e clarividência para nos mantermos fiéis ao juramento que fizemos na tomada de posse e colocarmos o primado da lei e do interesse público acima de quaisquer outros interesses. Mesmo os dos nossos membros a título individual. Somos uma associação pública profissional. Não somos uma associação que represente e defenda os interesses individuais de cada um dos membros. Representamos, sim, a profissão no seu todo.
Em nome dos psicólogos e das psicólogas portugueses agradeço o espaço de escuta e de acolhimento em que fomos sempre recebidos por Sua Exa. o Presidente da República, bem como o reconhecimento e apoio que nos emprestou. Os psicólogos e psicólogas, que aqui represento, têm contribuído determinantemente para uma melhor sociedade. Mais justa. Mais saudável. Mais desenvolvida. Mais coesa. Ao finalizar esta última mensagem, enquanto Bastonário, dirigindo-me ao Chefe de Estado, saliento o elevado grau de envolvimento nas causas de todos nós que os psicólogos têm demonstrado, bem como a Ordem que os representa. Ao mesmo tempo, e apesar do desemprego ser residual, sublinho a minha reiterada preocupação com a sustentabilidade do exercício da profissão em certos sectores, principalmente no social, mas também em certa medida no público, caso não se tomem medidas significativas de melhorias das condições para o seu exercício. Sendo certo que a maioria da profissão tem uma actividade liberal, muitos são os que, não a tendo, vivem com elevada precariedade e/ou são muito mal remunerados face às suas qualificações. Tenho insistido neste alerta. Ao olhar retrospectivamente, consciente do potencial viés do meu olhar, julgo termos contribuído para que as pessoas em Portugal tenham hoje mais e melhor acesso aos psicólogos do que há 10 ou 20 anos. Hoje há mais literacia da população neste domínio. Hoje as pessoas sabem mais e melhor qual ou quais podem ser os papéis dos psicólogos na sociedade. Hoje a profissão é mais reconhecida e até significativamente mais valorizada em alguns sectores. Hoje, na Europa em especial, mas também noutras partes do Mundo, a nossa Ordem contribuiu e até liderou a acção conjunta dos psicólogos para as causas societais do nosso tempo. Não estamos isolados, nem se podem resolver certos problemas apenas trabalhando dentro das nossas fronteiras. A multiculturalidade veio colocar cada vez mais desafios para a avaliação e intervenção dos psicólogos, em que a cooperação internacional e a internacionalização dos psicólogos se tornam essenciais. As nossas relações internacionais, onde somos exemplo e farol, devem ser aprofundadas, de modo a aumentarmos o poder transformador do diálogo e conhecimento mútuo, pela paz e gestão de outros desafios societais, como fizemos ao liderar esse esforço internacional sobre a crise climática, nos contributos da psicologia contra a pobreza ao nível europeu ou na reacção à invasão da Ucrânia, apoiando a intervenção dos colegas a distância em crise e catástrofe, ou ainda na integração europeia, como foi exemplo a nossa enorme adesão ao diploma europeu de psicologia.
Para o futuro a responsabilidade é maior. O escrutínio sobre nós também. Os riscos inerentes à nossa actividade devem ser alvo de cuidados acrescidos e preventivos. O nosso papel junto dos decisores deve continuar a crescer e com isso a avaliação dos nossos impactos. Nós enquanto decisores, como em tantas outras profissões, também cresceremos certamente. As exigências serão assim cada vez mais de outra dimensão. Necessitaremos de outras competências para além das actuais. Ao nível da gestão. Ao nível das tecnologias. Ao nível do nosso próprio desenvolvimento pessoal, nomeadamente sócio-emocional, devendo as escolas de psicologia em conjunto com a Ordem continuarem a reflexão já iniciada sobre esta matéria e acelerarem o seu processo de implementação.
A profissão de psicólogo tal como a conhecemos não existirá se a democracia, mesmo que imperfeita, não sobreviver. Pelo que, inerentemente o psicólogo tem obrigações para com a democracia e os direitos humanos, que são até deontológicas. Assim, não só os psicólogos devem contribuir activamente para a compreensão dos processos de paz, da desinformação ou do populismo, como devem ser agentes de prevenção e de redução dos impactos destes fenómenos. Temos assim de ser um exemplo, antes de mais, na forma como nos apresentamos e comunicamos entre nós e aos outros. Acredito no potencial para evoluirmos e contribuirmos para o desenvolvimento futuro do país e do Mundo. Mas não acredito que isso aconteça por inevitabilidade da história. As conquistas de hoje ou de ontem são sempre efémeras e dependem da forma como sabemos, queremos e as defendemos. Nem sempre os "amanhãs cantam". Às vezes choram e gritam de dor e sofrimento. Não corre sempre tudo bem. Deixo, nas certezas da construção feita até aqui, a esperança de que é possível continuar a sermos melhores e a tornar um pouco melhor o mundo à nossa volta.
Exmo. Sr. Presidente da República, eu estou, como sempre estive nestas e noutras funções, na vida, com a vontade de construir e dar significado ao privilégio que oportunidades como esta me fazem sentir, tanto como devo agradecimento e sinto realização. Tomei a iniciativa de lhe escrever estas cartas abertas desde o início do meu primeiro mandato, porque considero ser meu dever prestar contas, também ao mais alto dignitário da nação, sobre o que fizeram os psicólogos e a sua Ordem que os representa para o bem comum. O que tentaram fazer e os obstáculos que encontraram. Não tentei fazer um relatório exaustivo e redundante. Não tentei especificar todas as áreas da profissão ou todos os contextos. Tentei isso sim, e também, perspectivar o futuro a curto prazo e estabelecer compromissos. Estas cartas foram certamente, também, uma forma de reconhecimento, através do Senhor Presidente da República, do trabalho que desenvolvem os psicólogos e psicólogas, dando-lhes visibilidade e criando pontes e alianças face à força da palavra que o Sr. Presidente possui e com ela poder influenciar. Também assim se dignifica, credibiliza e desenvolve a identidade de uma profissão.
Os psicólogos e psicólogas, como todas as pessoas, olham agora para o horizonte a partir do que temos hoje. Na maior parte dos casos não terão em conta o caminho ou o passado. Estarão focados na construção de um melhor futuro. É natural que assim seja. Estou convicto que o farão com a habitual abnegação, mas também cada vez mais assertividade na afirmação da sua ciência, continuando a contribuir, mesmo que através do desenvolvimento do exercício da sua profissão, para um melhor mundo para vivermos. Estarão onde sempre estiveram. Estarão onde forem precisos. Muito obrigado!
Com o intuito de discutir estes temas e balanço e de apresentar os meus cumprimentos a S. Exa. o Presidente da República, por uma última vez como Bastonário, solicito a possibilidade de ser recebido em audiência."
O Bastonário da
Ordem dos Psicólogos Portugueses
Francisco Miranda Rodrigues"
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